Vídeos e denúncias revelam ações polêmicas para expulsar pessoas em situação de rua das cidades: ‘Despejados como lixo’

O Fantástico repercutiu uma polêmica que ganhou as redes sociais: prefeituras do Sul e do Sudeste estão divulgando vídeos que mostram ações para expulsar ou impedir a entrada de pessoas desempregadas e sem-teto nas cidades. Elas estariam sendo ameaçadas e coagidas.
A reportagem ouviu prefeitos que denunciam uma espécie de “jogo de empurra” entre municípios que não seguem leis previstas para essas populações. O Ministério Público investiga essas tentativas de livrar as cidades dessas pessoas.
Municípios de Minas Gerais estão no centro das investigações. Em Divinópolis (MG), por exemplo, o próprio prefeito Gleidson Azevedo (Novo) reclamou:
“A própria Polícia Militar já viu carros da saúde de outras cidades despejando eles [pessoas em situação de rua] na rua como se fossem um lixo, infelizmente”, afirmou o prefeito.
Nos últimos seis meses, a prefeitura de Divinópolis pagou 564 passagens de ônibus para pessoas em situação de rua, como é o caso de Aparecida Araújo, de 60 anos, que chegou de Nova Serrana, a 70 quilômetros dali.
Ela foi atendida pela assistência social de Divinópolis e, no mesmo dia, ganhou uma passagem para seguir viagem para Oliveira, mas ela afirma que não tem vínculos com a cidade.
Questionada se recebeu alguma orientação sobre trabalho na cidade, ela negou. “Estou indo com a cara e a coragem”, disse Aparecida, que não tem vínculos em Oliveira.
Em nota, a prefeitura de Divinópolis informou que a mulher não quis ficar na cidade.
Segundo a defensora pública Raquel Passos, não é normal que as pessoas sejam encaminhadas para outra cidade no mesmo dia. “Não tem como um gestor público conhecer, numa tarde, os problemas que trouxeram aquela pessoa para a situação de rua”, afirmou.
‘Falaram para eu não voltar, senão seria ruim para mim’
Em Santa Catarina, moradores em situação de rua relatam que sofrem ameaças de autoridades.
“Me tiraram da cidade e me falaram para eu não voltar mais, que seria ruim para mim”, afirma Alejandro Gallego, uruguaio que vive no Brasil há dez anos.
Em Balneário Camboriú, a prefeita Juliana Pavan (PSD) aparece em vídeos confrontando pessoas em situação de rua: “Na rua, aqui, a gente não vai aceitar ninguém”.
Decisão do STF e levantamento nacional
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal proibiu a remoção forçada e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua. O direito se estende a refugiados. Mesmo assim, levantamento indica municípios de 18 estados adotaram medidas semelhantes. Um motivo sempre citado é a dependência de álcool e drogas.
“É uma situação absolutamente inconstitucional. Qualquer cidadão brasileiro tem direito a livre locomoção no território nacional”, afirma Wallace Corbo, professor de Direito Constitucional da UERJ.
Em Belo Horizonte, a Câmara Municipal aprovou, em primeira votação, um projeto para enviar pessoas em situação de rua de volta para suas cidades de origem.
“A princípio, ela parece ser uma medida higienista, no sentido de organizar o espaço urbano, retirando as pessoas desse espaço urbano. Isso não pode, é inconstitucional”, diz a defensora pública Raquel Passos.
Todas as prefeituras citadas na reportagem informaram que promovem ações para recolocar no mercado de trabalho pessoas em situação de rua.
